sábado, 27 de julho de 2013

ANTES DE APRENDER MATEMÁTICA

Com seis anos de idade, as crianças começam o Ensino Fundamental. As propostas curriculares e os livros didáticos propõem que o ensino da Matemática comece pela contagem, isto é, por números, os quais são representados por símbolos, que são essencialmente abstrações. Isto nos leva a indagações: Será que a aprendizagem de números e contagem, com a devida compreensão, exige das crianças conhecimentos anteriores? Quais são esses conhecimentos? Será que nossos alunos de seis anos já os possuem?
Assim pensando, propomos que o início das atividades escolares com vistas ao futuro estudo da Matemática, se dê pela introdução (ou revisão) do que podemos chamar de Percepção Matemática, a qual pode ser resumida em três tópicos: os processos mentais, a percepção espacial e o senso de medida .
Vamos aqui apresentar uma síntese do primeiro deles.
Os processos mentais são básicos para a aprendizagem não só da matemática e são compostos por correspondência, comparação, classificação, ordenação, inclusão e conservação.
Vejamos o significado de cada um deles e algumas sugestões de abordagens para a sala de aula:

1º)Correspondência: é o estabelecimento da relação “um a um”. Exemplos:
- Um prato para cada pessoa
- Cada xícara com um pires
- Cada telefone tem seu número
- Cada letra tem seu som
- Cada número tem um nome
- Cada quantidade corresponde a um número.

2º)Comparação: é o estabelecimento de diferenças ou semelhanças. Exemplos:
- Minha bolsa (mochila) está mais pesada que a sua
- Cachorro tem quatro patas e galinha tem dois pés
- José e Maria têm a mesma altura
- Eu tenho seis anos e você tem cinco
- Os dias são claros e as noites são escuras
- O quadrado tem quatro lados e o triângulo tem três
- O carro é menor que o avião.

3º)Classificação: é o ato de separar ou agrupar em categorias de acordo com semelhanças ou diferenças. Exemplos:
- Separar crianças por suas alturas
- Agrupar frutas por suas cores
- Separar animais por algum critério
- Agrupar figuras por suas semelhanças.

4º)Ordenação: é o ato de fazer suceder a cada elemento um outro, segundo algum critério. Exemplos:
- Colocar os alunos em fila, do menor ao maior
- Numerar as casas de uma mesma rua
- Ordenar gravuras que representam cenas de uma história
- Ordenar objetos idênticos na forma e no volume, mas de pesos diferentes
- Mencionar uma palavra que evoque ordenação de fatos vivenciados pela criança, por exemplo, chuva, viagem, aniversário, para que ela conte como aconteceu.

5º)Inclusão: é o ato de fazer abranger um conjunto por outro. Exemplos:
- Bichos e plantas são seres vivos
- Laranjas e bananas são frutas
- Meus lápis e minhas canetas estão no estojo
- Losangos e trapézios são quadriláteros
- O Brasil fica na América Latina.

6º)Conservação: é o ato de perceber que a quantidade não depende da forma, posição ou arrumação. Exemplos:
- As medidas de uma caixa não se modificam ao mudar a caixa de posição
- Uma “roda” formada por dez crianças pode ser grande ou pequena (não é o tamanho da roda que determina a quantidade de crianças).

Obs: esses processos não são estanques, isto é, há interação entre eles; eles também não seguem a mesma ordem de evolução em todas as crianças; todos eles são básicos para que o conceito de número e a contagem sejam aprendidos significativamente.

Observações importantes referentes à:

Correspondência

Correspondência um a um é básica para a criança formar o conceito de número; no entanto, o fato de uma criança conseguir realizar com sucesso a correspondência “um a um” entre elementos de um conjunto A e os elementos de um conjunto B, não é garantia de que ela esteja percebendo que os conjuntos A e B possuem a mesma quantidade de elementos.
Existe a correspondência de vários a um e a de um a vários. Exemplos: 10 unidades equivalem a uma dezena; no número 22, o mesmo algarismo pode significar 20 unidades ou 2 unidades.

Comparação

Geralmente é mais fácil comparar dois elementos de uma mesma espécie; de espécies diferentes é mais difícil. Se forem três elementos é ainda mais difícil, mesmo que sejam de mesma espécie.
Exemplo: qual é o animal mais alto: onça, coelho ou elefante? Crianças podem responder que é a onça porque a comparam com o coelho (só o par). O elefante só é indicado quando a criança faz a comparação direta entre elefante/coelho e elefante/onça. Ou então a criança pode utilizar a comparação indireta (noção de transitividade), isto é, “elefante é maior que onça e onça é maior que coelho, então elefante vai ser maior que coelho”.
A comparação subsidia as noções de adição e de subtração. Exemplo:
- João tem 10 bolinhas e José tem 6. O que fazer para que eles fiquem com quantias iguais?
* um caminho: João dá 2 bolinhas a José
* outro caminho: aumentar 4 bolinhas a José
Note que a primeira solução significa dividir a diferença 4 por 2, enquanto que a segunda significa adicionar 4.
A comparação será básica para a realização da classificação, ordenação, inclusão e conservação.
Para auxiliar o desenvolvimento da habilidade de comparar nas crianças podemos utilizar material Cuisenaire, blocos lógicos, jogo dos sete erros, jogo do “qual é o diferente?”, tangram, polígonos.

Ordenação

Os vocábulos terceiro, último, depois, esquerda, baixo, antes, frente, entre outros, denotam ordenação.
A ordenação deve começar com 3 ou 4 elementos, considerando apenas uma das suas características.
Quanto mais atributos (espécie, forma, tamanho, peso, cor, posição, etc), mais critérios de ordenação serão possíveis. O importante é a justificativa do critério.
Utilize a lei de formação de repetições para criar ordenações.
Quaisquer números ou palavras são exemplos de ordenação.

Inclusão

“Existem mais mulheres ou mães?” Muitas crianças respondem “mães”. Muitos adultos acreditam que quadrado não é retângulo e é.
Estas respostas mostram que a percepção da ideia de inclusão não é tão fácil quanto parece. Quando foi que você percebeu que o 6 está incluído no 7? Para contar 7 objetos é necessário antes contar 6 objetos. Ninguém faz 7 anos sem ter feito 6. Até então não lhe parecia que o 6 e o 7 eram diferentes e independentes entre si?
Para favorecer a percepção infantil da ideia de inclusão pode-se utilizar as seguintes estratégias:
Apresentar dois conjuntos separadamente, tal que um possa ser reconhecido como subconjunto do outro. Exemplo: criança e sua família.
Apresentar um animal junto com quatro frutas para identificar o elemento que não se inclui na categoria da maioria.
Apresentar quatro ou cinco objetos (carro, canoa, carroça, trem, bonde) para identificação do termo que abrange a todos (transporte).
Dada uma palavra (ideia), por exemplo, escola, indicar elementos que se incluam nela (professor, cadeira, caderno, estudantes).
Indagar: “o que tem mais?” Professores ou escolas? Carros ou rodas?

Conservação


Diante de dois conjuntos, cada um com nove bolinhas iguais, mas juntas em um conjunto e espalhadas no outro, podemos encontrar crianças que contarão nove bolinhas em cada conjunto, mas quando indagadas sobre qual conjunto tem mais bolinhas, dirão que o conjunto de bolinhas espalhadas.
O mesmo pode ocorrer com dois pedaços de barbante de mesmo comprimento, mas apresentados um de modo esticado e outro em curva.
Isto nos revela que tais crianças ainda não percebem que algumas propriedades dos objetos se conservam, independentemente de como eles são vistos. Portanto, não é justo cobrar dessas crianças uma aprendizagem numérica com o devido significado, pois, diante da contagem “1,2,3”, elas podem pronunciar “um, dois, três” sem, no entanto, terem compreendido que número “três” corresponde à quantidade final, significa o total e que não varia com cor, tamanho, posição ou localização da coisa que está sendo contada.


Aos educadores, pais ou professores, uma mensagem final:

Não há crianças iguais e a aprendizagem delas depende do método de ensino.
Portanto, você pode ser a diferença entre a dificuldade e o êxito delas.


Para maiores informações, consulte LORENZATO, S. Educação Infantil e percepção matemática. Campinas, SP: Autores Associados, 3.ed., 2011. (Coleção Formação de Professores).